segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Entrevista Profa. Dra. Zilá Bernd

A professora Zilá Bernd é uma especialista de renome internacional em cultura negra e reúne uma longa lista de publicações, dentre elas podemos destacar a recente Antologia de Poesia Afro-brasileira. Professora do Mestrado em MSBC do Unilasalle, do PPg-Letras/UFRGS e bolsista PQ/CNPq, foi presidente pro tempore da Abecan (2011-2013) e editora assistente da Revista Interfaces Brasil-Canadá (A1).  
Possui Licenciatura em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS (1967), mestrado em Letras pela mesma Universidade (1977) e doutorado em Letras (Língua e Literatura Francesa) pela Universidade de São Paulo (1987). Fez pós-doutorado na Université de Montréal (Canadá) em 1990. Recentemente (novembro 2013) esteve em Lille (França), a convite da Université Lille3 para participar do evento Les Amériques au fil du devenir e finalizar a versão em língua francesa do Dicionário das Mobilidades culturais. 

1. Professora, a senhora é pioneira nos estudos de literatura afro-brasileira, qual a sua motivação por este campo de pesquisa?


Z.B. Em 1984 quando fui a São Paulo fazer meu doutorado na USP, os estudos existentes sobre literatura negra ou afro-brasileira definiam esta literatura pela epiderme do autor. O diferencial que agreguei a essa perspectiva, foi a de concluir pela inclusão de obras de literatura negra ou afro-brasileira a partir das evidências textuais, ou seja, a partir da presença de eu enunciador que se afirma como negro. Nesse sentido, sou sim pioneira.


2. Como foi a recepção na época? Conte-nos um pouco de sua trajetória.

Z.B. Podemos avaliar a percepção de dois pontos de vista distintos: pelo lado da academia, surgiram críticas a este trabalho (lembrem que estamos em uma era pré-estudos culturais!!) na medida em que seriam lidos autores da “margem”, autores que publicavam muitas vezes por conta dos próprios autores, que não estavam antologizados, nem nas bibliotecas, nem eram ensinados nas escolas... Por lado dos autores negros, uma certa desconfiança pelo fato de uma loura estar interessada neste tipo de análise. Hoje todos reconhecem o pioneirismo desse trabalho que contribuiu para a divulgação e catalogação de obras até então desconhecidas e que hoje se ensinam em escolas, são traduzidos no exterior e fazem parte de várias antologias...

3. Hoje, professora, o que vem a ser literatura afro-brasileira?

Z.B. Para mim, continuo fiel à minha proposta inicial: é a evidência textual, as marcas discursivas, a vinculação á proposta de valorizar a cultura afro-brasileira que caracterizam este tipo de literatura que vem se destacando no cenário nacional e internacional.  A Poesia afro-brasileira é instrumento de definição identitária e de preservação da memória da presença do negro no Brasil, elementos que despertam nosso interesse, pois sua leitura nos informa sobre os processos de constrição identitária de um vasto número de brasileiros afro-descendentes.  

4. Desde o período colonial, a produção literária dos brasileiros afrodescendentes se fez presente em todos os momentos relevantes de nossas letras? Ela obteve o mesmo reconhecimento conferido às obras produzidas pela elite branca?

Z.B. Se consideramos a temática do negro simplesmente, ela sempre esteve presente nas letras brasileiras. Agora se consideramos o fato de os afro-descendentes assumirem a primeira pessoa do discurso, afirmando um eu que se quer negro, isto é bastante recente e dada do período pós-abolicionista, exceção feita a Luis Gama que ironizou os brancos através de contundentes poemas satíricos, ainda no  período escravocrata...

5. Para a senhora, ainda se fazem necessárias pesquisas e a reflexões a respeito da produção literária dos afro-brasileiros? Por quê?

Z.B. Cada vez são mais oportunos no campo das artes, letras, estudos culturais, etc. pois estes estudos contribuem para a visibilidade dessa produção e também para combater o racismo ainda presente em nossa sociedade mesmo que de forma velada. 

6. Recentemente a senhora esteve na França a trabalho, e por lá como é vista esta questão de literatura afrodescendente?

Z.B.  Lá a comunidade negra é composta basicamente de imigrantes. Agora os poetas  da Negritude oriundos de ex-colônias francesas, como o Senegal, e das Antilhas, departamento de além-mar da França, foram prestigiados desde as primeiras produções nos anos 1940 e recebem muitos deles recebem os mais importantes prêmios conferidos na França. Mas lá não os consideram como afro-descendentes, mas como antilhanos, haitianos, etc. 

7. Há a necessidade de se ampliar a reflexão brasileira a propósito das questões teóricas e teórico-práticas sobre a produção cultural de brasileiros afrodescendentes? Por quê?

Z.B.  Sim e isto vai continuar ainda por muito tempo: há muito o que desenvolver a respeito e sobretudo, penso que a tendência, à medida em que essa poesia amadureça ainda mais, será a de pensar esta produção sem etiquetas limitadoras, mas considerando-os como parte integrante da literatura brasileira... ou da literatura simplesmente na medida em que a própria etiqueta de literatura nacional tendo em vista as mobilidades culturais da contemporaneidade, se revelam já fora de moda...

8. A literatura de afro-brasileiros, atualmente, tem sido respeitada? Bem recebida? 

Z.B.  Sim... esta semana teremos a presença de Conceição Evaristo, palestrando em evento promovido em Porto Alegre pelo PPG-Letras da UFRGS e pela Assembleia legislativa do Estado.... 

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