O movimento da negritude nasce fora da África
O movimento da negritude, segundo Petrônio Domingues, foi idealizado fora da África, provavelmente tenha surgido nos Estados Unidos, passou pelas Antilhas; em seguida atingiu a Europa, chegando a França onde adquiriu corpo e foi sistematizado. Depois, o movimento expandiu-se por toda a África negra e as Américas (inclusive o Brasil), tendo sua mensagem, assim, alcançado os negros da diáspora.
O afro-americano W. E. B. Du Bois (1868-1963) é considerado o patrono do panafricanismo, movimento político e cultural que lutava tanto pela independência dos países africanos do jugo colonial quanto pela construção da unidade africana. Pelo fato de Du Bois ser uma das primeiras lideranças a adotar com veemência um discurso de orgulho racial e de volta às origens negras é considerado da mesma maneira, o pai simbólico do movimento de tomada de consciência de ser negro, embora o termo negritude tenha sido cunhado somente anos mais tarde. Du Bois exerceu forte ascendência sobre os escritores negros estadunidenses. Seu livro Almas Negras "tornou-se verdadeira bíblia para os intelectuais do movimento Renascimento Negro".
Por volta de 1920, surgiu no bairro negro de Nova Iorque, o Harlem, nos Estados Unidos, um movimento literário e artístico denominado New Negro (ou "Negro Renaissance"), cuja proposta cultural era "exorcizar" os estereótipos e preconceitos disseminados contra o negro no imaginário social. Ao contrário de lamentarem-se pela sua condição racial, os ativistas do movimento enalteciam a cor do povo negro em suas obras.
Segundo Nascimento, Price-Mars, "precursor e mestre da liderança negra independentista da luta nacional africana contribuiu muito para a formação do importante movimento da negritude". Aimé Césaire vai mais longe, preconizando que "o Haiti foi o país em que a negritude se ergueu pela primeira vez". Em Paris, no período entre-guerras, um grupo de estudantes negros oriundos dos países colonizados (Antilhas e África) iniciou um processo de mobilização cultural.
Quando esses estudantes começaram a frequentar as universidades européias - sobretudo as de Paris e Londres - constatou que a civilização ocidental não era um modelo universal e absoluto tal como era ensinado na colônia. Nesse contexto, despertou-se uma consciência racial, e, por conseguinte, a disposição de lutar a favor do resgate da identidade cultural esvaecida do povo negro.
Em junho de 1932, alguns estudantes negros antilhanos publicaram uma revista, a Légitime Défense (Legítima Defesa), tendo editado só um número. O tom é de um manifesto. Nessa revista denunciavam a opressão racial e a política de dominação cultural colonialista. O alvo do ataque também era “o mundo capitalista, cristão e burguês”. Os jovens escritores defendiam que o intelectual devia assumir sua origem racial. Além disso, apregoavam a libertação do estilo, da forma e da imaginação frente aos modelos literários franceses.
Conforme Petrônio Domingues, dois anos depois em 1934, os estudantes negros em Paris lançam a revista L´étudiant Noir (o Estudante Negro). Léon Damas proclamava: "não somos mais estudantes martinicanos, senegaleses ou malgaches, somos cada um de nós e todos nós, um estudante negro". Daí o título da revista. Contrapondo-se a política assimilacionista das potências europeias retomaram a bandeira a favor da liberdade criadora do negro e condenaram o modelo cultural ocidental. Como instrumentos ideológicos de libertação, advogavam o comunismo, o surrealismo e a volta às raízes africanas. A revista teve importância fundamental na difusão do movimento. Organizando reuniões, exposições, assembleias, publicando artigos e poemas em outras revistas, esse grupo conseguiu progressivamente transmitir uma imagem positiva da civilização africana. Deste período adquiriram notoriedade os três diretores da revista: Aimé Césaire (Martinica) - que foi o criador da palavra negritude - Léon Damas (Guiana Francesa) e Léopold Sédar Senghor (Senegal).
Esse movimento literário a favor da personalidade negra e de denúncia contundente da dominação cultural e da opressão do capitalismo colonialista marcou a fundação da ideologia da negritude no cenário mundial.
A Negritude no Brasil
Luís Gama (1830-1882), líder abolicionista, advogado e poeta negro é considerado, segundo Petrônio Domingues, o precursor da ideologia da negritude no Brasil. Sua postura ideológica e produção poética, materializada na coletânea Primeiras Trovas Burlescas (cuja primeira edição é de 1859) inauguraria o discurso de afirmação racial no país. No entanto, as idéias do movimento francês da negritude somente chegaram ao Brasil na década de 1940, por meio, sobretudo do Teatro Experimental do Negro (TEN), entidade fundada em 1944 no Rio de Janeiro, e voltada inicialmente para desenvolver uma dramaturgia negra no país. Na medida em que foi adquirindo projeção, o TEN adquiriu um caráter mais amplo e passou a atuar em diversas áreas, sempre tendo em vista a afirmação dos valores negros.
Quando o grupo surgiu, a negritude passou a ser a ideologia mais geral, que imprimiu um sentido para o pensamento e as ações dos ativistas. Para o TEN, mais do que um sistema de idéias, negritude era uma filosofia de vida, uma bandeira de luta de forte conteúdo emocional e mítico, capaz de mobilizar o negro brasileiro no combate ao racismo, redimi-lo do seu complexo de inferioridade e, por conseguinte, fornecer as bases teóricas e políticas da plena emancipação.
Tal como na versão francesa, a negritude foi um ideário que floresceu no Brasil como expressão de protesto da pequena-burguesia intelectual negra (artistas, poetas, escritores, acadêmicos, profissionais liberais) à supremacia branca. Tratou-se de uma resposta dos negros brasileiros em ascensão social ao processo de assimilação da ideologia do branqueamento. Para Guerreiro Ramos, a negritude permitiu libertá-los "do medo e da vergonha de proclamar sua condição racial". Os postulados da negritude representaram um divisor de águas no movimento negro brasileiro na medida em que consolidaram a luta pela afirmação (ou orgulho) racial.
Entretanto, os intelectuais negros que conclamavam a negritude no Brasil jamais teriam dado uma formulação explícita e sistemática ao conceito, isto é, em nenhum instante transformaram a ideia vaga e difusa de negritude em propostas concretas ou, em última instância, traduziram a negritude em um projeto mais geral para resolver o problema do negro brasileiro.
A ideologia da negritude foi antes de tudo, um movimento de resgate da humanidade do negro, o qual se insurgiu contra o racismo imposto pelo branco no contexto da opressão colonial. O movimento tinha a proposta de repudiar os valores estéticos da civilização ocidental. Havia uma tendência dos povos negros colonizados na África e nas Antilhas de assimilar o padrão cultural europeu, alienando-se dos valores da cultura africana.
FONTE:
http://kilombagem.org/wordpress/wp-ontent/uploads/2015/07/Movimento_da_negritude_Uma_Breve_Reconstrucao_Historica-PetroniDomingues1.pdf
Nenhum comentário:
Postar um comentário