Breno Lacerda
Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, é uma fascinante história de uma africana idosa, cega e à beira da morte, que viaja da África para o Brasil em busca do filho perdido há décadas. Ao longo da travessia, ela vai contando sua vida, marcada por mortes, estupros, violência e escravidão. Inserido em um contexto histórico importante na formação do povo brasileiro e narrado de uma maneira original e pungente, na qual os fatos históricos estão imersos no cotidiano e na vida dos personagens.
O livro é um romance de metaficção historiográfica ao estilo pós-moderno – mesclando verdade e ficção, dados históricos com “pegadinhas”, não preocupando-se em ser definitiva nem isenta – e ao mesmo tempo é o grande romance da nossa literatura sobre a mais cruel, atrasada e vergonhosa experiência brasileira: a escravidão. Não apenas a escravidão em si, mas a escravidão, seus efeitos, suas conseqüência nas gentes e nas pátrias daqui e além-mar narradas por uma negra raptada de sua tribo e vendida como escrava.
Aconselho também a leitura do artigo Em busca dos rastros perdidos da memória ancestral: um estudo de Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, da minha querida orientadora Zilá Bernd, nele ela faz uma reflexão teórica sobre o conceito de vestígios (traces), levando em conta a importância desse conceito para repensar o trabalho da memória em textos literários contemporâneos e, em particular, no romance de Ana Maria Gonçalves (Record, 2010), que se constitui, segundo Bernd, em valioso exemplo de resgate da memória coletiva afro-brasileira, por meio de vestígios.
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